3º Capítulo
Shenzhen, 14 de Março de 2005 - Segunda-Feira
Antes de seguir rumo ao oriente, estabeleci uma série
de contactos com “traders” para poder visitar fábricas de móveis, candeeiros,
etc, devidamente acompanhado por alguém conhecedor da geografia e mercado
locais. De acordo com o que estava previsto, nessa segunda-feira iria a uma
fábrica de candeeiros “Tiffany”. Contacto de véspera com o David Wang,
combinando encontrar-me com ele na estação de comboios de Huizhou, uma
cidade a cerca de duas horas de viagem de Shenzhen.
Saí do hotel num táxi recrutado na rua e aí tive mesmo
a certeza que os taxistas chineses são uma raça completamente à parte, pois num
percurso de 3 Km, deverá ter cometido mais de 100 infracções ao código da
estrada e colocado a vida dele, a minha e de mais uma dezena de pessoas em
perigo.
Na véspera tinha comprado um mapa de Shenzhen, num
quiosque improvisado na beira de estrada. Aparentemente é uma aquisição
simples, básica. Escolhe-se o dito e siga. Pois… É fácil em Inglaterra ou na
Alemanha comprar um mapa no idioma local e orientarmo-nos. Na China os mapas
estão, obviamente, em Chinês. Só ao quarto ou quinto sítio onde procurei é que
consegui descortinar um que não fosse em chinês. Lá uma alma caridosa remexeu o
baú e, com ar triunfante, exigiu-me 12rmb pelo cobiçado mapa da imensa cidade
que é Shenzhen. Pagava nem que fosse 120 só para não me perder no meio de uma
cidade com milhões de habitantes, sem saber encontrar o hotel no meio de tanto
prédio. À cautela tinha pedido quatro cartões de visita do hotel e
colocando-os em sítios diferentes da roupa. Mal seria se perdesse todos em
simultâneo e me visse impossibilitado de encontrar o meu porto de abrigo.
A salvo, saí na estação dos comboios às 6.30 horas da
manhã que, à semelhança da guerra do Raul Solnado, ainda estava fechada.
Fui dar uma volta e “matar o bicho”, num dos múltiplos
restaurantes existentes na área, mesmo ao lado de mais um KFC. Pequeno-almoço
bom e barato, embora com insistência no “black coffee” que de pouco valeu, pois
tive que levar na mesma com o café com leite da praxe.
“Caffee” que de igual ao nosso só tem a semelhança na
sonorização, é na realidade um café com leite bebido aos litros pelos chineses,
juntamente com o popular chá. Resta acrescentar que é mais um produto importado
por esta sociedade altamente consumista, desta vez foi a Nescafé (caffee) que
viu o golpe e pôs esta malta toda a misturar café solúvel e leite em
pó com água quente, fornecida por máquinas tipo “Àqua Viva”, quente e
fria. É sempre siga.
A sociedade chinesa está-se a transformar gradualmente
numa sociedade altamente consumista, à semelhança do Japão, Coreia do Sul, etc,
onde os centros comerciais publicitam modelos ocidentais, numa onda de
“American Way of Life”.
Lá comprei o bilhete e esperei 3 horas, pelo comboio
das 10.17 horas, que me pareceu ter partido antes do horário previsto.
Pareceu-me porque até aí andei sem relógio, com o do telemóvel
completamente apagado nem sei porquê. Chinesices.
Embarquei após ter passado mais um controlo policial
no interior da estação, com direito a raios X na mala de viagem e tudo, depois
de me ter sido pedido o passaporte. É impressionante a segurança musculada em
todos os acessos a transportes como estações de comboio, aeroportos,
fronteiras. Os chineses fazem questão de impor a ordem de forma ostensiva e
intimidatória, fazendo lembrar tiques de ditaduras brutais e impositivas como
foi (e é) o caso da República Popular da China. Para qualquer lado que se vá, a
presença militar e policial é uma constante.
O comboio tinha lugares marcados que só descobri uma
hora depois, numa estação seguinte, quando uma rapariga me fez levantar ao
mostrar-me o seu bilhete, coisa que eu nem pus em causa, já que para mim o que
lá estava escrito era tudo, e aqui sim literalmente, chinês. Lá me levantei
contra vontade. Até já tinha arranjado camaradagem com dois rapazes e uma
rapariga que comigo completavam o grupo de quatro nos assentos virados uns para
os outros, com uma mesa pequena de apoio ao meio. Um dos companheiros de viagem
compreendeu a minha dificuldade e, de imediato, voluntariou-se para ocupar o
lugar que me era destinado e eu continuei onde estava. Ainda existem almas
caridosas neste mundo, num país a muitos milhares de quilómetros de casa.
Duas horas depois e chegado a Huizhou, necessitava a
todo o custo de ter um relógio para me poder orientar. Ainda hoje estou para
saber como é que colapsou o relógio do telemóvel, vindo a ressuscitar uns dias
depois. Numa loja de “bric-a-brac” da estação comprei um relógio para
desenrascar, mercadoria da mais refinada origem: China. Pela módica quantia de 60
rmb (6 €), tive direito a um relógio que se atrasava uma hora a cada duas, vim
a verificar alguns dias depois. A fome apertava e lembrei-me das sopas instantâneas
que é só necessário juntar água a ferver. Durante a viagem tinha visto
muita gente ir atestar o “balde” à torneira de água quente, dentro do comboio.
Regra nº 1, deixar arrefecer. Regra nº 2, ver se é picante. Regra nº3 cheirar
primeiro a ver se não cheira ao tal cheiro que está por todo o lado o tal que
enjoa como o caraças.
Continua…
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