sábado, 16 de março de 2024

3º Capítulo - 14 de Março de 2005 - Segunda-Feira


3º Capítulo

 

Shenzhen, 14 de Março de 2005 - Segunda-Feira

 

Antes de seguir rumo ao oriente, estabeleci uma série de contactos com “traders” para poder visitar fábricas de móveis, candeeiros, etc, devidamente acompanhado por alguém conhecedor da geografia e mercado locais. De acordo com o que estava previsto, nessa segunda-feira iria a uma fábrica de candeeiros “Tiffany”. Contacto de véspera com o David Wang, combinando encontrar-me com ele na estação de comboios de Huizhou, uma cidade a cerca de duas horas de viagem de Shenzhen.

Saí do hotel num táxi recrutado na rua e aí tive mesmo a certeza que os taxistas chineses são uma raça completamente à parte, pois num percurso de 3 Km, deverá ter cometido mais de 100 infracções ao código da estrada e colocado a vida dele, a minha e de mais uma dezena de pessoas em perigo.

Na véspera tinha comprado um mapa de Shenzhen, num quiosque improvisado na beira de estrada. Aparentemente é uma aquisição simples, básica. Escolhe-se o dito e siga. Pois… É fácil em Inglaterra ou na Alemanha comprar um mapa no idioma local e orientarmo-nos. Na China os mapas estão, obviamente, em Chinês. Só ao quarto ou quinto sítio onde procurei é que consegui descortinar um que não fosse em chinês. Lá uma alma caridosa remexeu o baú e, com ar triunfante, exigiu-me 12rmb pelo cobiçado mapa da imensa cidade que é Shenzhen. Pagava nem que fosse 120 só para não me perder no meio de uma cidade com milhões de habitantes, sem saber encontrar o hotel no meio de tanto prédio. À cautela tinha pedido quatro cartões de visita do hotel e colocando-os em sítios diferentes da roupa. Mal seria se perdesse todos em simultâneo e me visse impossibilitado de encontrar o meu porto de abrigo.

A salvo, saí na estação dos comboios às 6.30 horas da manhã que, à semelhança da guerra do Raul Solnado, ainda estava fechada.

Fui dar uma volta e “matar o bicho”, num dos múltiplos restaurantes existentes na área, mesmo ao lado de mais um KFC. Pequeno-almoço bom e barato, embora com insistência no “black coffee” que de pouco valeu, pois tive que levar na mesma com o café com leite da praxe.

“Caffee” que de igual ao nosso só tem a semelhança na sonorização, é na realidade um café com leite bebido aos litros pelos chineses, juntamente com o popular chá. Resta acrescentar que é mais um produto importado por esta sociedade altamente consumista, desta vez foi a Nescafé (caffee) que viu o golpe e pôs esta malta toda a misturar café solúvel e leite em pó com água quente, fornecida por máquinas tipo “Àqua Viva”, quente e fria. É sempre siga.

A sociedade chinesa está-se a transformar gradualmente numa sociedade altamente consumista, à semelhança do Japão, Coreia do Sul, etc, onde os centros comerciais publicitam modelos ocidentais, numa onda de “American Way of Life”.

Lá comprei o bilhete e esperei 3 horas, pelo comboio das 10.17 horas, que me pareceu ter partido antes do horário previsto. Pareceu-me porque até aí andei sem relógio,  com o do telemóvel completamente apagado nem sei porquê. Chinesices.

Embarquei após ter passado mais um controlo policial no interior da estação, com direito a raios X na mala de viagem e tudo, depois de me ter sido pedido o passaporte. É impressionante a segurança musculada em todos os acessos a transportes como estações de comboio, aeroportos, fronteiras. Os chineses fazem questão de impor a ordem de forma ostensiva e intimidatória, fazendo lembrar tiques de ditaduras brutais e impositivas como foi (e é) o caso da República Popular da China. Para qualquer lado que se vá, a presença militar e policial é uma constante.

O comboio tinha lugares marcados que só descobri uma hora depois, numa estação seguinte, quando uma rapariga me fez levantar ao mostrar-me o seu bilhete, coisa que eu nem pus em causa, já que para mim o que lá estava escrito era tudo, e aqui sim literalmente, chinês. Lá me levantei contra vontade. Até já tinha arranjado camaradagem com dois rapazes e uma rapariga que comigo completavam o grupo de quatro nos assentos virados uns para os outros, com uma mesa pequena de apoio ao meio. Um dos companheiros de viagem compreendeu a minha dificuldade e, de imediato, voluntariou-se para ocupar o lugar que me era destinado e eu continuei onde estava. Ainda existem almas caridosas neste mundo, num país a muitos milhares de quilómetros de casa.

Duas horas depois e chegado a Huizhou, necessitava a todo o custo de ter um relógio para me poder orientar. Ainda hoje estou para saber como é que colapsou o relógio do telemóvel, vindo a ressuscitar uns dias depois. Numa loja de “bric-a-brac” da estação comprei um relógio para desenrascar, mercadoria da mais refinada origem: China. Pela módica quantia de 60 rmb (6 €), tive direito a um relógio que se atrasava uma hora a cada duas, vim a verificar alguns dias depois. A fome apertava e lembrei-me das sopas instantâneas que é só necessário juntar água a ferver. Durante a viagem tinha visto muita gente ir atestar o “balde” à torneira de água quente, dentro do comboio. Regra nº 1, deixar arrefecer. Regra nº 2, ver se é picante. Regra nº3 cheirar primeiro a ver se não cheira ao tal cheiro que está por todo o lado o tal que enjoa como o caraças.

 

Continua…

 

 


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