6º Capítulo
Ningbo, Terça-feira, 15 de março de 2005 (2ª parte)
“No Loom, Solly”. Olha o cabrão, nem olhou para mim.
Dirigi-me de imediato ao hotel da frente. A mesma treta: “No Loom, Solly”. Fui
à pasta “hotéis Ningbo” e népia. Não tinha previsto esta situação. Os hotéis
estavam cheios e não tinha onde me alojar.
Já quase de noite, estava na rua sem hotel numa cidade
enorme e sem conhecer ninguém.
E agora?
Descobri mais tarde a razão de estar cheio. Tal como
eu, grande parte dos clientes de hotel procura na net alojamentos com uma boa
relação qualidade/preço, tendo em conta o número de estrelas que o hotel tem,
embora também viesse a perceber que o que é anunciado é uma coisa e o que
apresentam não tem nada a ver. O Master Club Shenzhen até parecia ter bom
aspeto e habitável. Parecia. Não tinha previsto este percalço para Ningbo. E
agora? Terei que ficar debaixo da ponte ou num canto qualquer? Fez-me lembrar
Londres em agosto de 1983. Um mês depois de lá estar, arranjei um quarto melhor
e mais barato. Fiz a mudança dos trapos durante o dia e fui para o restaurante
onde trabalhava. Fixe. Fixe se o encontrasse à uma da manhã, quando saí do
trabalho. Fartei-me de procurar e não encontrava o Imperial College, em Evelyn
Gardens. Encostei-me num banco até de manhã e ao raiar da aurora com luz do dia
foi fácil.
De repente vi-me na rua, quase de noite, sem hotel.
Dupla dificuldade: Táxis sempre ocupados e transeuntes que só falam chinês. Mas
eis que passa uma alma caridosa que arranha qualquer coisa de inglês e me
escreve o nome de um hotel num pedaço de papel que, segundo ele, era bom e
barato. Lá passou um taxista que parou e eu, triunfante, mostrei-lhe o que
estava escrito no papel. O taxista olhou, tornou a olhar e perguntou-me : “O
bae la, o bae ca ?” e eu muito convictamente lhe respondi : “o bae la”.
Erro. Quando dei por mim estava no meio de um subúrbio do mais manhoso que
vi em toda a China e já tínhamos andado meia hora para “lá” e estava
a anoitecer, até que o mandei dar a volta, “O bae ca Ningbo” (perceberam?), ao
que ele perguntou :”Ninbo ca?” e eu “Oué”. Consegui. Em pleno duplo traço
contínuo, com camiões, bicicletas, automóveis, motorizadas a passarem como
fosse o ultimo dia da vida deles, eis que vai de virar e quem quiser que
espere. Triplicou o número de buzinadelas que deveriam estar nos 2000 decibéis.
Completamente de noite, meia hora e 120 RMB depois estava em
frente a um hotel de 5 estrelas que não tive coragem de deixar e pagar 900
RMB (arrota que é pescada!!!).
Não tem nada a ver com o Hotel de 5 estrelas, mas
tem que ser mencionado: o Escarro. Sim, isso mesmo, os chineses passam a vida a
puxar a “escarreta” e a largá-la ao sol. Faz parte do esquema
social, a velha “escarreta”, bem repuxada, com direito a bolhinhas e
tudo, tipo bola de sabão. Passei metade do tempo a virar a cara para o lado
quando ouvia o “puxar” da coisa.
Este hotel tinha uma espécie de bar americano dando
ares de saloon texano, onde o Bruce Springsteen e o Kenny Rodgers se
cruzavam na barulhenta aparelhagem sonora. Era um sítio que cerveja Budweiser e
mesas de snooker deveriam ser unha com carne. De facto, para ser completamente “Kitsch”
só faltava o carrão descapotável americano, cor-de-rosa e com estofos forrados
de pele de vaca, alojando duas louraças mamalhudas em biquíni reduzido.
Estes dias cansam muito. Para fechar a noite só mesmo
um cafezinho, curto, com espuma castanha, perfumado. Fiz questão de me dirigir
ao balcão e ver, a par e passo, o evoluir da tiragem do dito. Hotel de cinco
estrelas tem tudo, até máquina expresso para os clientes ocidentais, pensei.
Havia já alguns dias que não cheirava nada que se parecesse com “bica”, pelo
que não poderia descurar esta parte. Os níveis cafeínicos estavam no limite e o
colapso estava eminente.
“Expresso coffee????” Small, (fazia eu os gestos com o
polegar e o indicador da mão direita), half cup.
“Oué! Caffee”.
A sorte é que o hotel tem 5 estrelas, estão habituados
à malta que quer café, estes gajos sabem o que é que os clientes querem, têm
formação, conhecem a oferta global, têm um bom serviço, são atenciosos, vão de
encontro às necessidades do cliente, qualificam, têm cada vez mais gente cá,
não se podem dar ao luxo de impingirem qualquer treta, não são nada burros, são
empresários, compreendem os mecanismos da lei da oferta e da procura, uma
máquina expresso não é assim tão cara, os italianos são uns furões do caraças e
já estão a exportar para a china há montes de tempo, etc e tal …
Interrompi os meus pensamentos quando, à minha frente,
a funcionária coloca uma chávena vazia e saca de uma cafeteira com uma espécie
de água choca e enche o “balde”. Nem cheirava a nada. Credo em cruz…
O que valeu é que o quarto era mesmo bom.
Boa noite
Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz…
Continua…
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