4º Capítulo
Shenzhen, segunda-feira, 14 de março de 2005 (2ª parte)
Durante a viagem tinha visto muita gente ir atestar o
“balde” à torneira de água quente, dentro do comboio. Regra nº 1, deixar
arrefecer. Regra nº 2, ver se é picante. Regra nº3 cheirar primeiro a ver se
não cheira ao tal cheiro que está por todo o lado, o tal que enjoa. Após
esperar uma hora pelo anfitrião e pôr uma grande parte dos bagageiros por conta
própria, trocadores de dinheiro por conta própria, taxistas de moto, indigentes
que pousam nas estações de comboio e demais gente que estava no hall da estação
, a rir , lá segui para a fábrica de candeeiros Tiffany.
Resta acrescentar que sou muito notado em todos
os sítios por onde tenho andado, especialmente fora dos centros urbanos,
onde sou elevado a atração principal do circo, dando direito a paragens de boca
aberta, risos e comentários em chinês que não me atrevo a decifrar.
Lá visitei um fábrica enorme com candeeiros muito
interessantes que poderiam fazer um vistaço em qualquer loja mais exigente.
Regresso de autocarro, após David Wang me ter deixado
numa estação de autocarros nova e muito bem organizada. A China está
como Portugal estava há quarenta anos. No regresso é que me apercebi da
verdadeira dimensão do desenvolvimento desregrado da China. Não consigo
descrever a forma desordenada como esta sociedade funciona, onde passou do 8 ao
80 em poucos anos, sem infraestruturas, com muita poluição de toda a ordem, com
… tudo o que me parece que não devia ser. É caótico, desarrumado, sujo,
poeirento, inacabado, populosíssimo.
Chegado a Shenzhen novamente, lá fui pôr a bagagem
ao hotel e preparar-me para jantar. Já tinha tirado o azimute a um restaurante na baixa que tem o peixe vivo em
tanques, junto à porta da rua, onde o cliente escolhe, eles pesam e é cozinhado
de seguida. Peixe branco cozido ao vapor, vieiras com molho de soja e um
arrozito para compor. Um manjar digno de rei e depois de ter pago 99 rmb(9,9€),
fui “desmoer”, andando a pé pela baixa e tentar arranjar um bar onde pudesse
beber um café decente. Descobri, quando falei com a gerente do “Master Club,
que não existe, praticamente, assaltos ou algo que possamos recear nas ruas de
Shenzen. De facto, andei muito a pé sem nunca recear qualquer tipo de situação
menos boa. Existe gente por todo o lado. Shenzhen é uma cidade que está a
abarrotar de gente nas ruas, nos centros comerciais, nos restaurantes, por tudo
quanto é sítio.
Lá arranjei um sítio onde vi uma máquina de café de
saco e pedi um “black coffee”, mas desta vez com convicção, não fosse o artista
pôr lá qualquer leite misturado. O funcionário respondeu um “Oué” repleto de
“saber fazer”, de confiança, pleno de convicção. Fiquei confiante também. Pela
forma como me exprimi e pela forma como o funcionário manifestou o seu
entendimento pelo meu pedido, tive a certeza absoluta de que iria beber um
saboroso café made in Brasil, habilmente filtrado por um zeloso funcionário chinês,
num bar longe de casa, às dez horas da noite, nos confins do Oriente. Pelos
vistos deveria ter sido ainda com mais convicção, pois na hora da verdade lá
vinha o galão à moda chinesa, ainda com borbulhas e tudo. Pwt@ que o pariu.
Será que renho que rogar uma praga aos artistas da Nescafé que puseram esta
malta toda a beber café com leite em tudo quanto é sítio?
Caminhada até “casa”, nas calmas.
Havia já alguns dias que falar era quase proibido.
Pouquíssimo inglês e mais nada. Andava com falta de falar, de me exprimir, de
massajar o ego, de opinar com argumentação convicta. Começamos a ficar eremitas
e pensativos pelas sucessivas horas a falar sozinho e a pensar apenas e só com
os botões. O bicho humano é mesmo uma raça comunicativa. Precisava de
comunicar, de me exprimir, de ralhar com alguém ou que alguém ralhasse comigo.
Quando cheguei ao hotel e apanhei o elevador
encontrei uma ocidental no elevador, francesa. Vinte segundos foram necessários
para percorrer o percurso do elevador até ao nono andar. Não me lembro de
alguma vez ter 20 segundos tão comunicativos. Acho que nunca me soube tão bem
encontrar alguém que me entendesse e que eu também compreendesse. Fiquei
radiante por poder falar com alguém “próximo” de Portugal. Deu para
desenferrujar a língua e re nivelar níveis de comunicação nesta tão necessitada
cabeça ocidental.
Suite com vista para a rua, a cheirar não sei a quê,
com um som de fundo tipo água a correr nos esgotos do vizinho de cima, uma
cama com colchão rijo, um Jet lag descompensado do relógio biológico, …
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz….
Continua
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