sexta-feira, 29 de março de 2024

18º Capítulo - Quinta-feira, 24 de março de 2005

 


18º Capítulo

Hong-Kong, Quinta-feira, 24 de março de 2005

Quero ir a Macau. Para além de ouvir falar muito deste território, as ligações à cultura lusa deixam-me nostálgico e saudosista. A 10.000 quilómetros de casa todas as semelhanças com a minha chaminé são bem-vindas. A esta distância de casa seria bom passear na Rua Cidade de Sintra, freguesia da Sé, em Macau.

Está-me a passar a “pica” de levantar cedo, até porque tenho a companhia do Fernando Mendes, da Serenela Andrade, do José Rodrigues dos Santos e restante staff da RTP Internacional. Após um “very british breakfast” no hotel “very british que não me lembro o nome”, pergunto na recepção como apanhar o ferry para Macau. Por via das dúvidas e para não andar com um porta-documentos muito volumoso ao pescoço por dentro da roupa, opto por não andar com o Passaporte. Deixo-o no pequeno cofre do quarto.

Por questões de segurança levei dois cartões multibanco de débito, de duas contas distintas, caso um deles falhasse poder-me-ia socorrer do outro. Com medo de possíveis assaltos, deixava um deles no quarto e andava com o outro. Fazia levantamentos regulares para pagamento das despesas de hotel e demais necessidades com o cartão que andava comigo. Em Hong Kong tinha cofre. Nos outros hotéis da China continental não. Tive que arranjar um esconderijo seguro e difícil de encontrar (no meu entender). No primeiro hotel da China, o Master Club em Shenzhen,  dei volta ao alojamento e surgiam-me sempre os esconderijos típicos onde todos os possíveis ladrões iriam ver em primeiro lugar. Estava na fase do choque inicial da entrada na China. Tudo me parecia medonho. Então descobri que as cortinas tinham bainha suficientemente alta para caber lá o cartão, já que deixá-lo na pasta ou mala poderia ser menos bom em caso de assalto. Foi só descoser um pouco e já está. Teria que ser um ladrão com muita imaginação para dar com o cartão. Seria um embrulho tremendo se não conseguisse levantar dinheiro nos ATM’s locais.

À data existiam, e julgo que ainda existem, uns eléctricos semelhantes aos nossos eléctricos lisboetas, mas na linha dos típicos autocarros londrinos de dois andares. Nas calmas, fui andando até Henessy Road e aí apanhar um desses eléctricos que fosse para os lados do porto de embarque do “ferry” para Macau. Assim foi. Depois de algum tempo em viagem e filas de espera para adquirir o bilhete, é-me exigido o passaporte. Não deu para embarcar. Também poupei 50€, que seria o custo do bilhete. Decidi inspeccionar a zona do cais dos “ferrys” e eis que, surpresa das surpresas, dou de caras com uma versão própria da bandeira portuguesa. (foto) O consolo encontrar um elo comum a milhões de pessoas onde me incluo, a 10.000km de casa onde ver esta bandeira dá-nos a sensação pertencer a algo, de ter uma origem, uma cultura, algo em comum com muitas outras pessoas. A 10.000Km de casa, vendo esta bandeira, deixamos de estar sós. Como com facilidade me assomam as humidades aos olhos, tive aí e nessa hora mais uma oportunidade que não desperdicei. De regresso à zona do hotel, decidi fazer o percurso a pé, já que tempo é coisa que tenho em abundância. Nessa zona específica, tentei encontrar forma de caminhar nos passeios, sem sucesso. Verdadeiramente estranho. Não existem passeios. Todos os espaços destinados a peões encontram-se acima da rua em plataformas cobertas exclusivamente para tráfego pedonal. Isto durante largos quilómetros dentro de Hong Kong. De surpresa em surpresa, lá fui regressando. Meti por vielas e ruas numa zona mais antiga. É fácil vermos uma camioneta a descarregar pranchas para uma carpintaria no 5º andar de um prédio. A coisa mais normal do mundo é fábricas e fabriquetas ocuparem um prédio de 30 andares. Hong Kong tem um crescimento na vertical. Verdadeiramente estranho. Os andaimes dos prédios em construção são em bambu. Sim, a cana. Bambu. Imaginem um emaranhado de canas de bambu com 30 ou 40 andares, atados com cordéis de sisal e sabe-se lá mais o quê. Os trabalhadores movimentam-se nestas plataformas de bambu como se estivesse no solo, com uma agilidade de fazer inveja a um macaco.

Vou tentar novamente o café no Starbucks, perto do hotel. Ainda não repus os meus níveis de cafeína, pelo que tudo o que seja preto acastanhado, com ou sem espuma, com ou sem aroma, em porcelana, papel ou plástico, cheio ou meio cheio, marcha. A funcionária já não era a mesma. Viam-se alguns ocidentais a beber café com leite nos típicos copos altos com tampa curva de plástico. Grupos de adolescentes a cobiçarem os bolos. “Habitués” na leitura da hora de almoço. Turistas tresmalhados como eu. Que caldeirão. Enfim, peito cheio e … “One expresso, half cup, single, very hot” disse eu á menina que me atendeu no pré-pagamento. Gritou 咖啡杯玛雅,非常热,不加奶para uma outra que estava na máquina de café e eu, atentíssimo, a seguir todos os movimentos como se de alguma coisa valesse, fiscalizava as operações que nem um capataz.      

-“这里它是Disse a moça.

- Hammmm!!!??? respondi eu.

-  要牛奶perguntou ela.

 Fiz uma cara de interrogado e encolhi os ombros. Sem me dar tempo para pestanejar e com uma destreza brutal, vai de atestar com leite. Aaaaaaiiiiiiiiiiiii!!!!!!! Já está. Mais um balde. Peguei no café e pus-me a andar para a mesa a resmungar comigo próprio. Ainda não foi desta. Vou dormir a sesta.

Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz………………..

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