17º Capítulo
Hong-Kong, quarta-feira, 23 de março de 2005 (tarde e noite)
Acordei
estremunhado com o Fernando Mendes aos berros, agradecendo a oferta de um par
de galhardetes, 3 garrafas de vinho tinto e 2 salpicões, oferta da Junta de
Freguesia de Vinhais, tudo trazido gentilmente pela D. Rosa, concorrente do
Preço Certo daquela tarde.
Que
fome.
Após
um rápido duche, lá ia ouvindo 25, 30, 28, mais, mais, mais, tá bom, tá bom, menos,
Hã??? Quanto? menos? enquanto vestia uma roupa prática adequada para caminhar à
vontade. Vou andar por Hong-Kong. Pedi um mapa na receção do hotel e rua que aí
vai ele. Comida precisa-se!
Na
China come-se muito bem. Desde essa viagem em 2005 que desenvolvi alguma
curiosidade pela cozinha chinesa, tal é a sua variedade, qualidade e
versatilidade. Tudo o que se possa comer na China (pelo menos nos sítios por
onde andei), pouco ou nada tem a ver com as ementas dos restaurantes chineses
implantados na Europa. É certo que a China tem quase o tamanho do continente
europeu e cada zona tem a sua própria gastronomia. Julgo que na Europa o
processo de confeção da comida está altamente desenvolvido para rentabilizar e
despachar, associado ao facto de terem procurado ir de encontro ao palato
europeu para mais facilmente entrarem no mercado e rentabilizarem. Associado
aos restaurantes asiáticos na Europa está também a utilização de produtos que
dão mais intensidade ao sabor da comida, nomeadamente o E620, Glutamato
Monosódico, mais conhecido pelo Sal Chinês. Nada notei lá. Por aquilo que me
apercebi, na China dão especial atenção aos produtos naturais, no sentido de
estar vivo até ir para o Wok ou para a panela. O peixe está vivo nos alguidares
pejados de mangueiras a oxigenar, até ser “pescado” com um camaroeiro e morto
ali, com um cutelo típico dos cozinheiros chineses (aqueles cutelos que se viam
nos filmes de Kung Fu em que o cozinheiro chinês, a gritar que nem um
desalmado, atacava o Bruce Lee). Os produtos são fresquíssimos, saborosos,
estão tenros, têm molho natural e tudo confecionado à nossa frente em tempo
record com uma energia e sabedoria invejáveis. Bestial.
Desde
2005 que passei a utilizar diariamente os pauzinhos chineses nas minhas
refeições. Utilizo frequentemente o Wok e uma panóplia de ingredientes
asiáticos, não necessariamente e só chineses. Uma das formas mais
características de cozinhar qualquer alimento é com uma simples e prática panela
de vapor em bambú de dois níveis, colocada dentro do Wok ou de um tacho largo
com dois dedos de altura de água. O vapor da água a ferver coze os alimentos de
uma forma pouco intrusiva e mantém a sua forma e textura, para além de não se
perderem sais minerais e outras propriedades importantes. Existe uma versão de
cozedura a vapor mais recente bastante eficaz. Uma rede em forma de pétala que
se fecha ou abre consoante o tamanho da panela ou tacho.
Chá
verde. Ao chegar à mesa do restaurante a meio da tarde, vai de “atestar o
balde”. É a primeira coisa que o funcionário faz antes de tomar nota do pedido.
Nessa refeição em Hong Kong nem sei o que comi, já que apontei para a mistela
que o cozinheiro manipulava, baseado num sugestivo monte de noodles regados com
um cremoso molho acastanhado, aqui e ali salpicado com umas coisinhas verdes. Foi
um almoço ajantarado, como a maior parte das refeições. Come-se a toda a hora,
de qualquer forma e em qualquer circunstância. Os restaurantes/tascas/casas de
comida estão permanentemente abertos. Passei grande parte do tempo a tentar
digerir depressa para ir outra vez provar mais outro qualquer petisco cobiçado
pela gula irresistível. Poucas vezes comi em restaurantes propriamente ditos
com toalha e guardanapo de pano. Na maior parte das vezes alinhava mais nas
tascas tipo “bifana na montra”, onde metade da refeição era logo ali devorada
com os olhos. Para ajudar na digestão, caminhei até mais não. Entretanto
anoiteceu e a noite em Hong-Kong é luminosa, cheia de neons coloridos, agitada,
barulhenta, cosmopolita.
Havia
alguns dias que estava com um défice de cafeína acentuado, tendo atingido um
nível preocupante. Uma acção imediata impunha-se. Hong Kong tem que ter um
antro do café. Decidi procurar e tornar a procurar. Calcorreei metade de Hong
Kong, passei por espremedores de cana de açúcar, bancas de ananás fresco,
vendedores de coco aos bocados, roulottes de sumos de tudo e mais alguma coisa,
tascas e mais tascas, lojas de tudo quanto é marca, já via luxo e mais luxo até
à exaustão e café… nada!!! Já pela noite dentro e quase a desistir pelo cansaço,
eis que junto ao hotel numa praça com um centro comercial, descobri uma loja do
principal embaixador da globalização cafeínica: STARBUCKS!!! Uma autentica meca
do principal distribuidor da cafeína no mundo. É desta que vou beber um
expresso coffee, half cup, com ou sem espuma, tanto faz, com boas maneiras ou
sem boas maneiras, custe 1 ou custe 10, cafeína precisa-se. Em Hong-Kong a
língua falada era e continuou a ser o cantonês, embora o inglês fosse falado por
uma grande parte da população. É fácil fazermo-nos entender e sermos entendidos
em inglês. Tal não aconteceu com a zelosa funcionária do Starbucks, algures em
Hong Kong. Estava condenado. Um cariocazito com uma espuma amarelada,
escanzelado, agua-pé de café, restos da espremedura gasta de uma borra mal
moída de meia dúzia de grãos de café. Bolas. Que beberragem aquela! Ainda não
foi desta. Com o hotel a 200 metros, cansado dos quilómetros a pé, com saudades
do Fernando Mendes e da Serenella Andrade, dei entrada no 4º andar do “very
british hotel que não me lembro o nome”, snob, coçado, colonial… . Acho que era
o José Rodrigues dos Santos que estava de serviço a botar faladura sobre o fim-de-semana
prolongado, já que Sexta-Feira era Santa, nas vésperas da Páscoa, mais isto e
mais aquilo…
Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
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