12º Capítulo
Guangzhou, Sábado, 19 de março de 2005
Decorria a feira “China International
Furniture Fair Guangzhou” que foi, de resto, o principal motivo da minha viagem
à China.
Fui de manhã cedo para a feira, de táxi,
após o pequeno-almoço farto no Guangdong Hotel.
Mais uma vez recorri a um print da net
para indicar ao taxista o destino pretendido.
Cheguei bem antes da hora prevista de
abertura, mas como estava com uma brutal
expetativa, assim que me despachei do hotel fiz questão de me deslocar
de imediato para o recinto da feira, a escassos quilómetros do centro de
Guangzhou e local do hotel. Aquela hora apenas entravam as pessoas
credenciadas, como funcionários e expositores das empresas presentes.
Na China as demonstrações de força são
frequentes. Tudo é feito com um autoritarismo exacerbado. Talvez pelo complexo
de estatura, pelo regime totalitário das últimas décadas ou até pela sua forma
de ser, os chineses não perdem uma oportunidade de demonstrar que não brincam.
No Ocidente é normal a palavra ser suficiente para desmotivar alguém que
pretende ir para além do que pode ou deve, mas os chineses fazem questão de
demonstrar a sua firmeza e autoridade quando o mesmo se passa em relação, por
exemplo, a uma simples entrada antes da hora no recinto da feira.
“Maria vai com as outras” e o “je”, não se apercebendo do facto de apenas
estar aberto o acesso a expositores e funcionários, entrava no meio da maralha
para entrar no recinto. Entrada barrada por três indígenas perfilados com cara
de mau, um deles com a palma da mão encostada ao peito deste humilde
servidor da causa das idas a feiras de mobiliário no sul da China. Quase como
bater numa parede e estancar. Apanhei um cagaço. Ainda me lembrei que talvez não tivesse cumprido todas as regras chinesas
básicas e merecesse xelindró sem direito a julgamento, aplicado de imediato por
guardas da feira de Guangzhou que ali estavam para punir ocidentais
prevaricadores da lei e da ordem reinantes. Porra!!! Fiquei a bater mal.
Passado o cagaço e meia hora, lá entrei
no recinto e comecei a visita pela vasta área de exposição. Brutal!!! Um mundo.
Grande, com muito móvel e barato. Barato. Não me admiro que em Portugal a
indústria esteja em recessão. A China produz tudo muito mais
barato e com rapidez. Não conseguimos competir de igual para igual com países
de mão-de-obra barata, sem regalias, sem horário de trabalho, sem dias de
férias, sem sindicatos, em suma, com tudo o que a Ocidente não é possível (e
bem). Cansei-me na feira. Um dia inteiro a ver, pedir preços, fotografar,
analisar, etc.
Saí da feira pouco antes desta fechar e
nem metade tinha visitado. Cansado. Na volta para o hotel, os taxistas vendo os
ocidentais aos molhos e desorientados, cobravam à viagem, não ao taxímetro, com
um preço fixo (o dobro ou triplo do custo da mesma viagem em sentido inverso)
para levar de volta a manada tresmalhada aos hotéis. Pwt@ que os pariu. Um
manguito.
Assisti a uma zanga tremenda de um
chinês envergonhado com este comportamento, entrando em acesa discussão com um
grupo de taxistas. No entender dele era completamento vergonhoso
aproveitarem-se das pessoas e não abonava nada na nova imagem da China moderna.
Algo como a anedota que fala de uma companhia de aviação que cobrava apenas um
dólar para levantar voo. O pior é que omitia que para os manter a voar cobrava
5.000 dólares.
Entrei no moderno metro à toa, sem saber
como pagar ou entrar. Lá mostrei o cartão do hotel a uma alma
caridosa bem fardada que, em inglês mal amanhado, me disse que tinha que sair
aqui, ir por ali, descer acolá, etc e tal. Pois, Pois. Fiquei na mesma.
Decidido a sair numa das estações mais
centrais e aí apanhar um táxi para finalmente me levar ao meu destino, saio e
eis-me numa rua familiar, com árvores nos passeios e um prédio cor-de-rosa bem
alto, mesmo à minha frente. Estava a 200 metros do Hotel Guangdong, o meu
destino. Ele há dias de sorte.
Após um duche reconfortante vou à
procura de uma tasca onde possa recompor o estômago da comida da treta ingerida
nos restaurantes fast-food do recinto da feira. Maravilha. Aventurei-me um
pouco mais e quando dei por mim estava numa zona de comida de rua. Quando vejo,
actualmente, os programas sobre culinária de rua como o Anthony Bourdain,
lembro-me de uma rua de Guangzhou onde andei a picar espetadas grelhadas,
vegetais assados e mais umas quantas coisas que não consegui perceber o que era,
mas que foi dos principais pitéus que me passaram pela estreita goela. Após o
merecido repasto numa movimentada rua de Guangzhou, eis-me à procura dum
mendigado e escanzelado cafezito com ou sem espuma, desde que se assemelhe a um
cheiroso e reconfortante café expresso.
Mais uma vez vi nessa zona muitos
africanos muçulmanos, com os seus trajes
característicos. Provavelmente a mesquita seria perto. Esta
comunidade é consumidora de chá e café, logo seria normal existir nas
redondezas algum estabelecimento com produtos específicos desta comunidade.
Népia. Nada. Uma semana sem beber um café em condições já dá para
desesperar. Quase a entrar em síndrome de abstinência de cafeína, possesso e
irritadiço, decidi regressar ao hotel por um outro trajeto , onde reparei num centro comercial pejado de
telemóveis. Milhares e milhares. Entrei e eis que, no meio daquela confusão de
telemóveis, reparo numa máquina de café, semelhante às que se vêm hoje um pouco
por todo o lado, para serviço aos clientes. Fiz-me interessado nos telemóveis a
piscar o olho ao café. É desta é que é. Convidei o senhor que me atendeu a
oferecer-me um café. Espectáculo. Parece que adivinhou. Ainda não tinha acabado
bem a frase já este me estendia um copo a fumegar. Estes chineses são do
caraças!!! Ninguém os bate em termos de serviço, de dedicação, de empenho. Para
eles o trabalho é um direito e não um dever. O homem estava ali para fazer com
que ocidentais que procuram café fossem atendidos da melhor forma possível, sem
margem para dívidas. Pois, a fumegar, sim. O chá, de jasmim, estava
espectacular, talvez um pouco quente.
Com o “rabo entre as pernas” lá fui de
regresso ao hotel beber o cariocazito da ordem, desta vez tirado em chávena
grande, já que o funcionário do bar resolveu que eu tinha cara de quem bebia
muita quantidade.
Acho que quando me estendi na cama já
estava a dormir em pé.
ZZzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.
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