sexta-feira, 29 de março de 2024

15º Capítulo - terça-feira, 22 de março de 2005

 


15º Capítulo 

Guangzhou e Shenzhen, terça-feira, 22 de março de 2005

Deixei o Hotel Guangdong e a cidade de Guangzhou, já com estadia marcada no Master Club em Shenzhen, a minha primeira guarida na China. 

Outro motivo da minha ida à China prendia-se com o facto de decorrer uma outra feira ligada ao mobiliário/decoração em Shenzhen, embora de menor importância.

Depois do checkout pedi que me chamassem um táxi e rumei à estação de comboios de Guangzhou. Cerca de 120 km distam entre as duas cidades e não justificava viagem de avião. O serviço de comboios na China é, de facto, bastante bom. Pontual, asseado, organizado, tudo apesar de estar permanentemente lotado. Desta não me tramam. Procurei o lugar que constava no bilhete e não me sentei “à sorte”, sujeito à cobiça do “dono” do lugar. Mais uma vez a paisagem aproximou-se no meu imaginário da China. Ao passar por uma zona mais rural, as construções assemelhavam-se, nalguns casos, aos conhecidos pagodes típicos daquele país, bem como os campos de arroz com montanhas pontiagudas em pano de fundo, ora recortada por carreiros para uso de peões e animais ou por árvores recortando cursos de água. Viagem excelente. Chegado à estação de comboios, a ravienga do costume aos taxistas mais manhosos, seguindo a máxima de nunca entrar em nenhum que se ofereça e, novamente, ei-lo à porta do Master Club. À entrada, a mesma recepção das recepcionistas perfiladas, do bagageiro e demais assistentes. “Xim Pam Pum” e mais uma ladainha que quase me tinha esquecido, tal a intensidade da vivência recente alguns quilómetros mais a norte nos últimos dias. De novo o cheiro típico do Master Club. Enfim, em casa, de novo.

Neste regresso a Shenzhen e a algo já conhecido e sem saber bem porquê, mas fez-me pensar na aldeia de Fontanelas e na condução do velho trator “International” lá de casa, de seu nome “Pacheco”, já que a pessoa a quem o meu pai o comprou chamava-se Pacheco. Desde os meus dez anos que conduzia aquela “máquina infernal” que atingia os loucos 25 km/hora, permitindo-me, às escondidas, uns “derrapanços” de rally ao jeito do Markku Allén ou do Ari Vatanen, sem a mínima noção de que poderia correr mal. Nas viagens para o Camejo, uma propriedade a alguns quilómetros de distância, costumava ir pelo pinhal. No final desse pinhal existia uma curva a 90’ com bastante areia, local privilegiado para ensaiar essa curva em “derrapanço” a 25km/hora. Por sorte ou por falta de velocidade, nunca deu para o torto.

Talvez o regresso a Shenzhen, o afastamento de casa de dez dias e as saudades me fizessem pensar em situações vividas intensamente na minha meninice e adolescência.

Depois de instalado, rua. Ainda tentei ver televisão. Podia assistir a mais de trinta canais em chinês e um em Inglês, a CNN (salvo erro). A princípio custou a entrar o inglês sem legendas, mas no final a “necessidade aguça o engenho” e comecei a entrar no ritmo e a perceber tudo normalmente. Uns dias mais tarde em Hong-Kong já tive o privilégio de ver a RTP Internacional, que começara a ser transmitida para a Ásia no início do mês.

Mas a China é rua, é gente, é movimento, lojas, confusão, trânsito e … ópera revolucionária. No centro de Shenzhen, junto a um hipermercado grossista de produtos para cabeleireiros, onde também se vendem relógios contrafeitos e tudo o que é contrafeito, eis que, num palco todo engalanado, tive oportunidade de assistir a uma ópera revolucionária chinesa de rua, bem à velha maneira da China Maoista, numa epopeia onde militares e camponeses caminham de mãos dadas contra o despotismo capitalista. Ironias do destino, nunca a China esteve tão capitalista, tão materialista como agora, embora a mentalidade capitalista não seja externa, mas sim interna, fomentado pelo país dos dois sistemas. Perto da noite, recordei-me de um sítio junto à estação de comboios onde tomei o pequeno-almoço quando, alguns dias atrás, tinha ido a Huizhou à fábrica de candeeiros Tiffany. Um pequeno restaurante fast-food chinês que tinha café menos água choca com máquina. Desta vez poderia fiscalizar a operação e apontando para a chávena, não arredando pé do balcão, mostrando com gestos precisos a melhor forma de tirar uma bica à maneira, cheirosa, daquelas que preenchem todos os cantinhos da memória olfactiva e nos transportam para momentos de puro deleite repleto de cafeína. Em frente. Tudo nos trinques.

Pensei em tudo.

Expliquei uma parte do que pensei.

Ele ouviu parte do que eu disse.

Entendeu parte do ouviu.

Do que entendeu, esqueceu-se de algo.

Do que se lembrou, executou uma parte.

A parte que executou não o fez da melhor forma

“et voilá”.

Balde de água choca. Toma lá que já almoçaste.

Cama.

Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz  

 

 

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