15º Capítulo
Guangzhou e Shenzhen, terça-feira, 22 de março de 2005
Deixei o Hotel Guangdong e a cidade de
Guangzhou, já com estadia marcada no Master Club em Shenzhen, a minha primeira
guarida na China.
Outro motivo da minha ida à China prendia-se com o
facto de decorrer uma outra feira ligada ao mobiliário/decoração em Shenzhen,
embora de menor importância.
Depois do checkout pedi que me chamassem um táxi e
rumei à estação de comboios de Guangzhou. Cerca de 120 km distam
entre as duas cidades e não justificava viagem de avião. O serviço de comboios
na China é, de facto, bastante bom. Pontual, asseado, organizado, tudo apesar
de estar permanentemente lotado. Desta não me tramam. Procurei o lugar que
constava no bilhete e não me sentei “à sorte”, sujeito à cobiça do “dono” do
lugar. Mais uma vez a paisagem aproximou-se no meu imaginário da China. Ao
passar por uma zona mais rural, as construções assemelhavam-se, nalguns casos,
aos conhecidos pagodes típicos daquele país, bem como os campos de arroz com
montanhas pontiagudas em pano de fundo, ora recortada por carreiros para uso de
peões e animais ou por árvores recortando cursos de água. Viagem excelente.
Chegado à estação de comboios, a ravienga do costume aos taxistas mais
manhosos, seguindo a máxima de nunca entrar em nenhum que se ofereça e,
novamente, ei-lo à porta do Master Club. À entrada, a mesma recepção das
recepcionistas perfiladas, do bagageiro e demais assistentes. “Xim Pam Pum” e
mais uma ladainha que quase me tinha esquecido, tal a intensidade da vivência
recente alguns quilómetros mais a norte nos últimos dias. De novo o cheiro
típico do Master Club. Enfim, em casa, de novo.
Neste regresso a Shenzhen e a algo já conhecido e sem
saber bem porquê, mas fez-me pensar na aldeia de Fontanelas e na condução do
velho trator “International” lá de casa, de seu nome “Pacheco”, já que a pessoa
a quem o meu pai o comprou chamava-se Pacheco. Desde os meus dez anos que
conduzia aquela “máquina infernal” que atingia os loucos 25 km/hora,
permitindo-me, às escondidas, uns “derrapanços” de rally ao jeito do Markku
Allén ou do Ari Vatanen, sem a mínima noção de que poderia correr mal. Nas
viagens para o Camejo, uma propriedade a alguns quilómetros de distância,
costumava ir pelo pinhal. No final desse pinhal existia uma curva a 90’ com
bastante areia, local privilegiado para ensaiar essa curva em “derrapanço” a
25km/hora. Por sorte ou por falta de velocidade, nunca deu para o torto.
Talvez o regresso a Shenzhen, o afastamento de casa de
dez dias e as saudades me fizessem pensar em situações vividas
intensamente na minha meninice e adolescência.
Depois de instalado, rua. Ainda tentei ver televisão.
Podia assistir a mais de trinta canais em chinês e um em Inglês, a
CNN (salvo erro). A princípio custou a entrar o inglês sem legendas, mas no
final a “necessidade aguça o engenho” e comecei a entrar no ritmo e a perceber
tudo normalmente. Uns dias mais tarde em Hong-Kong já tive o privilégio de ver
a RTP Internacional, que começara a ser transmitida para a Ásia no início do
mês.
Mas a China é rua, é gente, é movimento, lojas,
confusão, trânsito e … ópera revolucionária. No centro de Shenzhen, junto a um
hipermercado grossista de produtos para cabeleireiros, onde também se vendem
relógios contrafeitos e tudo o que é contrafeito, eis que, num palco todo
engalanado, tive oportunidade de assistir a uma ópera revolucionária chinesa de
rua, bem à velha maneira da China Maoista, numa epopeia onde militares e
camponeses caminham de mãos dadas contra o despotismo capitalista. Ironias do
destino, nunca a China esteve tão capitalista, tão materialista como agora,
embora a mentalidade capitalista não seja externa, mas sim interna, fomentado
pelo país dos dois sistemas. Perto da noite, recordei-me de um sítio junto à
estação de comboios onde tomei o pequeno-almoço quando, alguns dias atrás,
tinha ido a Huizhou à fábrica de candeeiros Tiffany. Um pequeno restaurante
fast-food chinês que tinha café menos água choca com máquina. Desta vez poderia
fiscalizar a operação e apontando para a chávena, não arredando pé do
balcão, mostrando com gestos precisos a melhor forma de tirar uma bica à
maneira, cheirosa, daquelas que preenchem todos os cantinhos da memória
olfactiva e nos transportam para momentos de puro deleite repleto de cafeína.
Em frente. Tudo nos trinques.
Pensei em tudo.
Expliquei uma parte do que pensei.
Ele ouviu parte do que eu disse.
Entendeu parte do ouviu.
Do que entendeu, esqueceu-se de algo.
Do que se lembrou, executou uma parte.
A parte que executou não o fez da melhor forma
“et voilá”.
Balde de água choca. Toma lá que já almoçaste.
Cama.
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